segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Casarão

Quando era mais jovem costumava me assemelhar a um pé de manga, onde meus frutos, dependurados, ou caíam maduros na cabeça de algum passante, ou apodreciam de velhos, pois digamos que a minha localização era dúbia, ou qualquer coisa que se julgue distante o suficiente para não ser encontrada.

Uma árvore de tronco espinhento, onde os poucos que se aventuravam a subí-la tinham os pés e mãos cortados num misto de dor e delícia.Mas ser mangueira não é lá muito conveniente, pois além de fixa, é algo que um dia alguém sempre irá cortar para dar espaço à outro empreendimento, e foi assim mesmo.

No lugar da mangueira, foi construído um casarão.
Há que ser fixo, sempre, quem toma a fidelidade e a lealdade como prumo de um barco, mesmo que à deriva.

E hoje, como todo bom casarão, solitário e porque não atrevido em meio à modernidade que se levanta, assim eu passo, passo a passo, pela vida dos outros, e da minha própria.

Um casarão onde os mais velhos passam pela frente e respiram nostalgia, das festas antigas, dos velhos amores fracassados, das noites em vão. Onde os mais novos perdem suas bolas de futebol e num misto de dúvida e medo entram valentes, mas não acham nada. Não há o que ser achado em uma casa abandonada. Às vezes.

Um casarão de telhas quebradas, com janelas inteiras, e uma porta com um brasão de uma família que não existe mais, por inconsequência de atitudes alheias ou simplesmente porque o destino quis, como tantos gostam de acreditar.

E assim passo meus dias como velha construção, onde os fantasmas descem sorridentes pelas escadas em seu vai-e-vem inconstante, onde o chá dorme grudado nas xícaras, onde os bailes de outrora hoje dormem desfocados, onde há silêncio, lembranças e nenhuma saudade.

3 comentários:

Unknown disse...

E aqui do outro lado do atlântico parece que há solidão....

Samy Vallo disse...

Aplausos!!!

Petro disse...

Plat, plat, plat...aplaudo também. Very nice!
Gostei da riqueza poética.
Byeee