segunda-feira, 7 de junho de 2010

Calabouço



A porta fechou-se ante seus olhos. Um silêncio incontrolável tomara conta do quarto. Seus olhos circunspetos miravam o ventilador que girava lentamente no teto. Ao redor, as paredes sangravam delírios. Um mosaico se completava, peça por peça, marcas e ranhaduras, cicatrizes abertas no peito. O lodo se propagava pelo rodapé, as paredes carcomidas pelo mofo tornavam o ar denso, irrespirável, pútrido. A poeira levitava na escuridão e, os olhos fixos observavam o vulto a girar no teto. Tudo fazia parte de um espectro medonho que nascia de dentro da alma do poeta e transcendia ao espaço material. Seus anseios e medos se projetavam para dentro do calabouço e, unidos a ele se lançavam na realidade.







O quarto era como uma casca, uma segunda pele, um casulo. Talvez o mais seguro dos lugares para quem queira se esconder do mundo. Recluso naquele ambiente inóspito buscava a pura forma e o conteúdo completo para compor com precisão os mais belos versos, mas não havia beleza a se contemplar, nem os ideais romantizados de outrora, nem um grito por liberdade. Todo conteúdo se esvaziou, todo sentido se perdeu quando a porta se fechara e, a ele só restara o mofo e a podridão que se estendia pelo quarto. Nada poderia ser mais desconfortante que descobrir que, definitivamente, não existia poesia. Tentara olhar ao redor, redescobrir-se, tentara ver a vida com intensidade, mas a vida era uma poesia inacabada e havia tantos defeitos que lhe comprometiam. O desespero tornou-se seu guia. Queria o inferno. Ansiava o mármore frio que repousa em silêncio nas noites escuras. Sorria ironicamente. Esquecia-se de tudo e de todos que circulavam ao seu redor, não passavam de espectros que tentavam lhe roubar o sossego. A vida tornara-se um paraíso perdido e, ele não queria se perder. Dançou todas as danças, seguira todos os ritmos que o destino lhe ditara e, agora estava disposto a criar seu próprio destino, tomar as rédeas nas mãos e se guiar segundo suas próprias leis. Debruçou-se sobre a escrivaninha escrevendo seus últimos versos. Saiu pela porta cambaleando o corpo como quem persegue a sombra. Desceu as escadas, embrenhou-se no corredor escuro. Na dispensa, tateou como cego, a procurar sobre as velharias. Ergueu as mãos, vitorioso; um pedaço de corda com tamanho preciso.







Seus pensamentos tateavam o inferno, enquanto o diabo lambia-lhe a face e suspirava peditórios aos seus ouvidos. Descrente de Deus ou de Diabo, caminhara para o quarto observando as reentrâncias da parede. As saliências do mofo lembravam-lhe um corpo despido, a ânsia de tocá-lo enchia de calafrios e o suor escorria pela face misturando-se a lágrimas. Um suspiro veio-lhe da alma e, em lentos gestos, compôs na corda um laço perfeito; suas mãos agiam com a precisão de um artesão que entalha sua obra. Passara a ponta da corda sobre o umbral deixando pendente o colar que usaria em sua última dança. Subiu no tamborete e, na ponta dos pés, alcançou o elo que completava definitivamente a sua corrente. Deixou-se cair, voar no espaço e, girando, valsou solitário uma canção de profundo silêncio.


***imagem: O Grito - Edvard Munch(1893)

Um comentário:

Isaias de Faria disse...

sua prosa ta arretada.