terça-feira, 24 de maio de 2011

Verbete # 36: Rato


Para Sany Lara

O olho lembra uma gota de plástico derretido, dotado de mecânica interna que o rege sem grande alarde – uma gota de solda em circuito de celular, ou outro aparelho pequeno e complexo, nos remete em objetividade e opacidade.
Se na loteria evolutiva acendessem, antes de nós teriam criado um sistema parecido com esse – e nunca chegariam à poesia: seriam burocráticos, elétricos, cocainômanos, propensos a deliberações breves que se resolveriam em silêncio.
Poucos foram os que os viram pequenos, presos às tetas, sorvendo o leite que – talvez – a natureza pouco se orgulhe de ter elaborado: e que nunca chegaria às sorveterias, tampouco desfilaria em propaganda como ingrediente de creme para as marcas de expressão facial. Aqueles que os vislumbraram sabem pouco além de que são úmidos, vermelhos como a glande de um pênis; nota-se à primeira vista que saíram antes do tempo, afetados por elementos pesados ou nocivos.
Animal algum – ferido terrivelmente ou de forma comedida –, lembra tanto o homem ferido. A forma com que os ossos saltam para fora da pata aveludada – coberta com uma fina e bem arranjada camada de bombril – remete a ciclistas atropelados, visualizados pela janela do carro; lembra um cotovelo fraturado em um vôo inconseqüente que termina na lateral da piscina. 
(Uma criança deste tamanho, ou um pouco maior – já em seus primeiros ensaios –, seria incapaz de tocá-lo. O faz com besouros metálicos, baratas lisérgicas; certas vezes puxa pequenas cobras pelo rabo e as leva à boca; come a própria merda sempre que quente e próxima à mão.) 
Em determinado momento parecem movidos por uma insistente voz que os impele ao saque, que os conduzem à pilhagem: atravessam enxurradas obstinadamente – ainda que a anatomia os impossibilite; vencem dezenas de metros de encanamentos até surgirem ofegantes nas privadas – comprometidos, não recuam ou se arrependem; configurados para escalarem árvores e sacadas alçam-se ao alto para devorarem restos de sanduíches e pombos sonolentos.
Nenhum messias entre eles. Ninguém que se destaque em fome ou fúria.

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