Para Sany Lara
O olho lembra uma gota
de plástico derretido, dotado de mecânica interna que o rege sem grande alarde
– uma gota de solda em circuito de celular, ou outro aparelho pequeno e
complexo, nos remete em objetividade e opacidade.
Se na loteria evolutiva
acendessem, antes de nós teriam criado um sistema parecido com esse – e nunca
chegariam à poesia: seriam burocráticos, elétricos, cocainômanos, propensos a
deliberações breves que se resolveriam em silêncio.
Poucos foram os que os
viram pequenos, presos às tetas, sorvendo o leite que – talvez – a natureza
pouco se orgulhe de ter elaborado: e que nunca chegaria às sorveterias,
tampouco desfilaria em propaganda como ingrediente de creme para as marcas de
expressão facial. Aqueles que os vislumbraram sabem pouco além de que são
úmidos, vermelhos como a glande de um pênis; nota-se à primeira vista que
saíram antes do tempo, afetados por elementos pesados ou nocivos.
Animal algum – ferido
terrivelmente ou de forma comedida –, lembra tanto o homem ferido. A forma com
que os ossos saltam para fora da pata aveludada – coberta com uma fina e bem
arranjada camada de bombril – remete a ciclistas atropelados, visualizados pela
janela do carro; lembra um cotovelo fraturado em um vôo inconseqüente que
termina na lateral da piscina.
(Uma criança deste
tamanho, ou um pouco maior – já em seus primeiros ensaios –, seria incapaz de
tocá-lo. O faz com besouros metálicos, baratas lisérgicas; certas vezes puxa
pequenas cobras pelo rabo e as leva à boca; come a própria merda sempre que
quente e próxima à mão.)
Em determinado momento
parecem movidos por uma insistente voz que os impele ao saque, que os conduzem
à pilhagem: atravessam enxurradas obstinadamente – ainda que a anatomia os
impossibilite; vencem dezenas de metros de encanamentos até surgirem ofegantes
nas privadas – comprometidos, não recuam ou se arrependem; configurados para
escalarem árvores e sacadas alçam-se ao alto para devorarem restos de
sanduíches e pombos sonolentos.
Nenhum messias entre
eles. Ninguém que se destaque em fome ou fúria.
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