sexta-feira, 20 de maio de 2011

Aniversário

No dia em que a dor abrigou-se em sua casa, tomou uma decisão. Colocou na parede, um calendário. E enquanto dia a dia, mais tirana do que hóspede, invadia e devastava os recantos mais secretos de sua alma, ela esperava. A cada manhã, tendo sobrevivido a outra noite de terror, lágrimas, medo, e solidão, arrancava uma folha do calendário. A cada dia, uma dor, uma folha, menos um dia. Assim viveu durante quase um ano. Contando dias. Rompendo prazos. Colando cacos de alma e coração. Migalhas de amores. Agora, apenas uma folha restava. E a dor cicatrizara feito rocha em seu peito. Mas ainda imperava soberana sobre a casa. Acordou cedo. Fechou portas e janelas com cuidado. Em cada canto, porta, armário, piso, pia derramou solenemente a gasolina. E antes de riscar o fósforo e pôr fim à invasão e à tirania, arrancou a última folha do calendário.


Márcia Maia

de Sem amém, Ed. Moinhos de Vento, Recife, 2011.

Nenhum comentário: