sábado, 21 de maio de 2011

O dia do orgulho

Michelangelo Merisi da Caravaggio, (1571 – 1610). Sacrifício de Isaac. Óleo sobre tela, c. 1598 - 116 cm × 173 cm (46 in × 68 in)

Todo domingo à noite, a sala de aula simples, com paredes enfeitadas de cartazes fabricados pelas crianças do jardim, é ocupada por uma turma de adultos em busca do tempo perdido. As aulas eram diárias no início, mas logo flexibilizaram o horário, pois muitas mulheres casadas reclamavam do período das aulas, alegando a insatisfação de seus companheiros quanto ao atraso no jantar, outros cursavam faculdade e os demais ou faziam inglês ou trabalhavam no turno noturno.

Inicialmente a turma era formada por trinta, atualmente vinte e seis alunos freqüentam o curso: gestão empresarial. Um cursinho de dois anos – todos ali buscam qualificação para se candidatarem a uma vaga no mercado de trabalho que estava escasso na pequena cidade de Itumbiara, localizada ao sul do Estado de Goiás. Com tanta dificuldade no país, o único setor admitindo mão de obra é esse, o indivíduo precisa escolher entre montar seu negócio ou arriscar uma vaga na indústria. A cidade é cheia de pequenos comerciantes.

O professor Mário entra, imponente, com toda a sua altura e altivez: respeitado por todos e admirado pelas solteironas de plantão. Grande momento na sala, sem dúvida era a entrada dele.

Apesar das constantes investidas das alunas, ele se mantém indiferente. Consegue ser esquivo o tempo todo; homem de pouca conversa, nenhuma exposição de sua intimidade; nunca chama a atenção de ninguém, por nenhum motivo; mesmo quando as tagarelices se excedem até o final da aula.

Mantém a voz firme e aveludada sempre no mesmo tom, desde o inicio de uma explicação até o “boa noite” de despedida sempre motivo de fofocas ao final da aula. Tinha cabelos castanhos e sedosos, vestia-se sempre de roupas sociais com cores mortas, mantinha a barba serrada e a pele limpa: “o homem ideal para qualquer mulher” suspiravam as plantonistas solteironas.
A cidade acabara de promover grande movimento em respeito ao Corpus Christi, neste ano deu-se no dia 10 de junho, quinta-feira, prolongando o feriado. Todos os alunos do curso participaram da barraquinha que, além de angariar recursos para as paróquias através de leilões e comercialização de comidas típicas, realiza neste ano um seminário com o tema: “A reeducação cristã para o fim da tolerância do pecado no Século XXI”, até o professor Mário conhecido como um respeitado mestre em exatas, contribuiu com suas palavras carregadas de sabedoria e legitimidade. Tudo isso só fora possível, por intermédio das carolas, que freqüentavam o curso, ardorosas por aquela figura.

O domingo após o feriado foi especial: término de outono, quase início do inverno, estava muito frio. Todos extasiados pelos frutos que o feriado de Corpus Christi havia provocado na pacata cidade. Não se falava em outra coisa, a não ser nas premissas do “abençoado professor Mário”, “o anjo que faltava à comunidade”, “o santo que caíra do céu para levantar Itumbiara e outros blá, blá, blás...”, o fato é que nem mesmo o Padre Gusmão com todo o seu discurso, sem falar na longevidade, fora tão elogiado pelo povo quanto o contido Mário.

Como de costume ele entra, deixa a pasta sobre a mesa e sem nenhuma palavra nos impõe o silêncio. Pega um giz, faz uma breve linha vertical na lousa e escreve o seu nome, e respectivamente a data do ano. Se vira para a classe e retira a blusa de lã que o protegia do frio. Diz a todos “boa noite” como nunca dissera anteriormente; um sorriso enorme no rosto feliz combinando com a estampa colorida da camiseta; um belo arco-íris sob a palavra “Rainbow”.

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