terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Uma coisa que adoro é sarro e que odeio é empáfia

Eu adorava pegar ônibus lotado quando tinha 11 anos. Me encaixava atrás de alguma boazuda e deixava o balanço da condução me levar às nuvens. Tirar um sarro era a diversão comum da molecada. Tive que parar assim que cresci (lá embaixo, entenda). Meu colégio usava como calça de uniforme um moleton, a excitação se tornou inconveniente.

O prazer pelo sarro, contudo, continuou, permitido então pelas meninas atrás da quadra de esportes. O moleton, bem fino e maleável, finalmente foi útil.

Os sarros alcançaram outros padrões. Descobri que importunar os desavisados com uma brincadeira bem pueril era quase tão gostoso quanto engatar o trenzinho nos ônibus.

- que time é teu?

- flamengo.

- hahaha, o flamengo te meteu....

Percebi que perder o amigo para não deixar escapar a piada era passível de reversão com sentidas desculpas ou, melhor, aceitando o contra-sarro.

- ...meteu nada. Bateu na trave e entrou no teu. Ahá!

Etimologicamente, sarro é o resíduo de vinho que permanece na garrafa. Chamam de fezes do vinho. Então, tirar um sarro é na verdade algo como “limpar a bosta”, ou eliminar o resquício de seriedade na situação.

Nestes dias após o rebaixamento do Corinthians à 2ª divisão, me impressionei com a solidariedade das outras torcidas aos sofridos “cadentes”, à exceção da prepotente e mal-humorada plebe flamenguista, que não aceitava os trotes mas agora se limita a limpar a bosta.

- Nessa SEGUNDA-feira expresso meu grande pesar, meu lasTIMÃO, com a ascensão do Corinthians à série B. Os novos patrocinadores corintianos terão trabalho: a RAY-O-VAC, para acender a lanterna; a PHILCO, para melhorar a imagem; a VOLKSWAGEN, para fazer um gol e, por último, a TOYOTA, para sair da lama.

- Pô! – Reclamou meu irmão, o corintiano mais doente que conheço.

- Então vamos rezar pelo ulTIMÃO. Peguem a bíblia em Coríntios 1 versículo 3.

- Chega! - Teve que rir. - Até na bíblia a gente tá perdendo.... queria ver se fosse com vocês...

- Somos a maior torcida do Brasil. - Gabou-se o flamenguista.

Não resisti e me meti:

- Schadenfreude! - Falei. Lê-se "chandenfroide". - É uma palavra alemã para a sensação de prazer que a desgraça alheia provoca. - Expliquei. - Em bom "brasileiro" quer dizer gozar com o pau dos outros.

O flamenguista não gostou. Como sempre, aliás. Eles só querem sentir-se superiores. Quando o time está na pior, a torcida desaparece. Basta, então, o Flamengo ganhar um jogo que se torna o melhor time do país para seus passionais torcedores. Depois criam títulos estapafúrdios como o "recorde de público" ou "patrimônio cultural" e dedicam-se a desmerecer as conquistas alheias, até inventando pentacampeonatos irreais, afinal, em 1987 o Spor foi o campeão pois o Flamengo amedrontou-se em disputar o quadrangular final com os times do outro módulo, a famigerada segunda divisão.

- Xandefroidis é o caralho! - Reagiu o flamenguista. - Vestimos o manto sagrado, seu feladaputa.

A agressividade não me espantou, é o principal recurso dos imbecis. Não me rendi, contudo:

- Teu manto, rubro de vergonha, cobre apenas a empáfia dos medíocre, afinal, o esporte não passa de um divertimento que vocês elevam à primeira grandeza em importância. – Cuspi o discurso de bate-pronto. Como ele não entendeu, resumi: - Pare de tirar sarro. Tua “brincadeira” já cresceu e tá inconveniente.

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