O garoto, inocente, adorava dar asas à imaginação.
O irmão mais velho, definitivamente culpado, acrescentava os olhos vermelhos, dentes afiados e garras.
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Anatomia de um rio
Às margens desse rio asfixiado,
habitado pela merda expelida das casas
e o ácido excedente das indústrias,
homens pararam por um instante –
testemunharam seus reflexos no espelho
antes de seguir viagem; outros
velaram toda uma noite atrás de um peixe.
Nessas águas espessas,
violentadas pelo óleo das auto-estradas,
oprimidas pelo caldo dos bueiros,
mulheres lavaram a roupa e as mágoas;
outras se aliaram ao corpo do rio
para ajudar as flores a resistirem ao inverno
e os tomates a se rebelarem contra a seca.
Às margens desse rio viciado,
picado pela agulha dos hospitais,
assaltado pela indigestão dos restaurantes,
meninos caçaram animais que por ali se aventuravam
ou simplesmente ficaram ao vento –
que não tinha o cheiro senão do campo que percorria.
*
sábado, 20 de dezembro de 2008
Amadeus

Amadeus era um anjo, desses conhecidos pelo nome de cúpido. Na realidade, um anjo inexperiente, mas mesmo assim, por não ter outras opções, o departamento de Relações Exteriores do Céu o convocou:
_ Amadeus, terás que descer à Terra e realizar o encontro entre duas pessoas, uma delas é essa moça – antes mesmo de mostrarem-lhe a foto, Amadeus, curioso, perguntou:
_ Quem é a moça? Como irei fazer isso?
O ministro das Relações Exteriores do Céu se exasperou com a ansiedade de Amadeus, mandou que se calasse e apenas ouvisse. Amadeus estava sentado numa cadeira-nuvem, os pés inquietos, balançando para um lado e para o outro, enquanto ouvia as orientações:
_ Ouça bem, Amadeus, o sujeito ainda é indeterminado, terás que ser criterioso. Essa moça tem se comportado muito bem, planeja formar família, encontrar alguém que realmente a ame. Você receberá duas flechas, uma deverá acertá-la e a outra acertar o homem que mais honesto e sensato lhe parecer.
Amadeus ficou todo preocupado com a incumbência. Chegou a terra e passou dias analisando pessoas. Um bebia demais e certamente a faria sofrer; outro corria no trânsito e tinha atitudes agressivas; outro, não dava importância a seus pais, certamente não seria um bom marido e um dos últimos que Amadeus observou, achou por bem não escolher, porque era baixinho e não serviria para casar com uma moça tão alta e bela... Cansado dessa procura e sabendo que uma flecha já havia sido usada, concluiu que cinqüenta por cento do serviço estava concluído. Achou melhor, sentar, descansar um pouco... Só que, para não correr o risco de perder a flecha, abraçou-se a ela. Sentou-se debaixo de uma árvore e sentiu uma brisa tão agradável que por um momento imaginou estar novamente no céu com suas nuvens frias e confortáveis. O som dos pássaros lhe soou tão agradável aos ouvidos que cochilou abraçado à flecha. A seta atingiu-lhe o peito e Amadeus morreu de amor...
E teve muitos filhos.
_ Amadeus, terás que descer à Terra e realizar o encontro entre duas pessoas, uma delas é essa moça – antes mesmo de mostrarem-lhe a foto, Amadeus, curioso, perguntou:
_ Quem é a moça? Como irei fazer isso?
O ministro das Relações Exteriores do Céu se exasperou com a ansiedade de Amadeus, mandou que se calasse e apenas ouvisse. Amadeus estava sentado numa cadeira-nuvem, os pés inquietos, balançando para um lado e para o outro, enquanto ouvia as orientações:
_ Ouça bem, Amadeus, o sujeito ainda é indeterminado, terás que ser criterioso. Essa moça tem se comportado muito bem, planeja formar família, encontrar alguém que realmente a ame. Você receberá duas flechas, uma deverá acertá-la e a outra acertar o homem que mais honesto e sensato lhe parecer.
Amadeus ficou todo preocupado com a incumbência. Chegou a terra e passou dias analisando pessoas. Um bebia demais e certamente a faria sofrer; outro corria no trânsito e tinha atitudes agressivas; outro, não dava importância a seus pais, certamente não seria um bom marido e um dos últimos que Amadeus observou, achou por bem não escolher, porque era baixinho e não serviria para casar com uma moça tão alta e bela... Cansado dessa procura e sabendo que uma flecha já havia sido usada, concluiu que cinqüenta por cento do serviço estava concluído. Achou melhor, sentar, descansar um pouco... Só que, para não correr o risco de perder a flecha, abraçou-se a ela. Sentou-se debaixo de uma árvore e sentiu uma brisa tão agradável que por um momento imaginou estar novamente no céu com suas nuvens frias e confortáveis. O som dos pássaros lhe soou tão agradável aos ouvidos que cochilou abraçado à flecha. A seta atingiu-lhe o peito e Amadeus morreu de amor...
E teve muitos filhos.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Prisão
A Travessia
Matem-me amanhã
e serei novamente um cadáver agradecido
com um sorriso nos lábios
e a tranqüila serenidade
daqueles que não souberam que partiram,
dos que se foram sem se despedir
(lançados ao espaço por desproporcionais choques de massas)
enquanto o corpo descrevia uma parábola descendente
parando no meio do asfalto,
meio morto
(morte de cachorro louco, dia frio, na beira de um meio-fio)
Nós,
os que sempre se vão na hora errada
não queremos mais mundos obscuros
onde as lágrimas não podem passear pelos rostos
e as dores não podem ser acariciadas
à luz do dia
Todos os dias
Por conta dessa noite de virgens loucas
a poesia nada mais é que um momento trágico e mágico
eternizado por uma pena perdida
(no fel da loucura embebida)
servida em cálices altos
aos que se embebedavam
no festim da vida
E por conta de toda esta embriaguez
é que viramos a cidade de pernas pro ar,
somente para encontrar
um par de pernas
cruzadas
Os que vierem depois disso quase nada entenderão
(farão falsos discursos em monocórdios maquinados)
mas o mundo muda de repente
(à revelia)
e a travessia pode se dar à qualquer hora
confirmando assim a única certeza da vida
Meu presente para o futuro é um passado sem glórias
Ainda agarro a felicidade pelos cabelos
e a beijo sem volúpia e sem vontade
apenas para ter o prazer de lhe cravar os beiços
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Arrebatamento íntimo

A neblina recortada pelo verde
simula incêndio na mata da serra,
meu corpo lúbrico no seu aferra,
musgos descem as encostas
do desejo ocultado nos corais,
lambem-me cavalos marinhos,
verde-folha – bananais,
gritos mudos ressoam – corais
nas cordas dos cavaquinhos
onde minhas cobiças urram cantos tribais.
[Imagem de A Rua dos Contos]
Obs: meu dia é 17, foi meu aniversário, se tiver algum problema em postar hoje podem deletar e me comunicar ok?
domingo, 14 de dezembro de 2008
é a solidão
que me carrega
no dorso da palavra
até a beirada do obscuro
onde me atiro
porque me assoma
desde sempre a vertigem
e me assombra mais o medo
do que acabar
e é na queda
que o hálito do abismo
aviventa minhas asas
de inventora do impossível
é a solidão
que empilha silêncios
até emparedar meu grito
e eu, simbionte,
tomo sempre num hausto
o ultimo fôlego
e cavo frestas a lápis e caneta
até eclodir o verso
onde respiro
Iriene Borges
que me carrega
no dorso da palavra
até a beirada do obscuro
onde me atiro
porque me assoma
desde sempre a vertigem
e me assombra mais o medo
do que acabar
e é na queda
que o hálito do abismo
aviventa minhas asas
de inventora do impossível
é a solidão
que empilha silêncios
até emparedar meu grito
e eu, simbionte,
tomo sempre num hausto
o ultimo fôlego
e cavo frestas a lápis e caneta
até eclodir o verso
onde respiro
Iriene Borges
sábado, 13 de dezembro de 2008
Curtinha Encucada
Que se encuco
Logo me embico,
Me toca um fuxico
Que quase me caduco.
Logo me embico,
Me toca um fuxico
Que quase me caduco.
Até que me emputo e acabo com a brincadeira:
Te pergunto
Desencuco
Desembico
E volto a te amar!
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Palavras, não mais que palavras.
Não mais que coisa alguma.
Mas tudo é palavra em suma.
Palavras abocanhadas,
Mastigadas, depois vomitadas,
São palavrinhas mal digeridas
Que tornam a ser palavras
Depois de cuspidas.
Palavras da boca pra fora,
Palavras impressas, versadas,
Palavrassinceras de quem ri
Ou até mesmo de quem chora.
Palavras soltas, aladas,
Perdidas em meio a outras...
Palavras muitas, palavras poucas,
Ricas, pueris, bem articuladas,
Aquelas com gostinho de anis,
Aquelas que descem amargas.
Algumas escapam da boca,
Outras se perdem na ponta da língua.
Há palavras que vão de vento em popa,
Há palavras que morrem a míngua.
Sejam profanas, benditas,
Adjetivadas ou loucas,
São palavras bem-vindas.
palavras de tesão ao pé da orelha,
Do sacristão à suas ovelhas.
O mundo cabe em uma palavra,
Só alguns corações que não sabem
Que a palavra amor também os cabe.
A palavra instante é curta,
A palavra espera é longa.
A palavra navalha corta,
A palavra tempo cicatriza.
palavras, palavras, palavras...
E são tantas as palavras
Que mal cabem na boca.
Mas se você não sabe qual usar,
Cale-se, pois qualquer palavra solta
Pode contaminar o ar.
Deixe a palavra sangrar
Até que escorra poesia,
E mesmo que a boca não se abra
Será a poesia a palavra abracadabra
Nesse mundo de palavras engasgadas.
Não mais que coisa alguma.
Mas tudo é palavra em suma.
Palavras abocanhadas,
Mastigadas, depois vomitadas,
São palavrinhas mal digeridas
Que tornam a ser palavras
Depois de cuspidas.
Palavras da boca pra fora,
Palavras impressas, versadas,
Palavrassinceras de quem ri
Ou até mesmo de quem chora.
Palavras soltas, aladas,
Perdidas em meio a outras...
Palavras muitas, palavras poucas,
Ricas, pueris, bem articuladas,
Aquelas com gostinho de anis,
Aquelas que descem amargas.
Algumas escapam da boca,
Outras se perdem na ponta da língua.
Há palavras que vão de vento em popa,
Há palavras que morrem a míngua.
Sejam profanas, benditas,
Adjetivadas ou loucas,
São palavras bem-vindas.
palavras de tesão ao pé da orelha,
Do sacristão à suas ovelhas.
O mundo cabe em uma palavra,
Só alguns corações que não sabem
Que a palavra amor também os cabe.
A palavra instante é curta,
A palavra espera é longa.
A palavra navalha corta,
A palavra tempo cicatriza.
palavras, palavras, palavras...
E são tantas as palavras
Que mal cabem na boca.
Mas se você não sabe qual usar,
Cale-se, pois qualquer palavra solta
Pode contaminar o ar.
Deixe a palavra sangrar
Até que escorra poesia,
E mesmo que a boca não se abra
Será a poesia a palavra abracadabra
Nesse mundo de palavras engasgadas.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Vingança

Haja serenidade para falar
de música e da pressa do Natal
fingindo naturalidade enquanto
a doutora colhe o Papa Nicolau
Que frango assado mais sem açúcar
e sal! E ainda de brinde:
-Ultrason pélvico transvaginal
Puta que pariu!
E eu já pensando nesta poesia
enquanto a máquina aperta meus seios
no exame de mamografia
- Tem uma ferida,
é preciso cauterização!
Eu imploro até pra Santa Rita
Suplicando: - Isto de novo não!
Laser
Laser
Laser
Chego em casa exausta
e rio ao olhar o meu amor
mal sabe ele que o que consola
é a certeza do dia do indicador
domingo, 7 de dezembro de 2008
Sagrado Coração Profano

I
Sou potencialmente culpado
Uma culpa que vem de gerações ulteriores
Pois do passado só poeira e cinza restam nas vidraças
Espectros e vultos que se avultam do chão sequioso
E, em torrentes, sobem até os vãos das janelas
Lambem as cortinas negras
Que balançam na escuridão da noite silenciosa
Não há espaço para dois corpos num mesmo lugar indefinido
Mas há a indefinição de corpos num mesmo espaço simultâneo
As sepulturas se abrem, esperam desesperadas
Gritam, clamam... querem a carne pálida do indigente,
Mas lhe é negada a oblação
Seu espaço é definido demais e os corpos ainda se contraem
Numa busca desamparada de viver
Vivem o homem e o cão
Vivem a mulher e a serpente
Serpenteiam seus corpos oblíquos a enlaçar o homem
A sufocar o cão
Mas a morte não vem, não vem a doce lembrança,
Não vem o grito, nem vem o silêncio,
Apenas o descompasso absurdo de vultos que dançam
Sob um ritmo alucinado de Valquírias ensandecidas
Eis que surge a espada
A lâmina reluzente e mais nada...
Uma culpa que vem de gerações ulteriores
Pois do passado só poeira e cinza restam nas vidraças
Espectros e vultos que se avultam do chão sequioso
E, em torrentes, sobem até os vãos das janelas
Lambem as cortinas negras
Que balançam na escuridão da noite silenciosa
Não há espaço para dois corpos num mesmo lugar indefinido
Mas há a indefinição de corpos num mesmo espaço simultâneo
As sepulturas se abrem, esperam desesperadas
Gritam, clamam... querem a carne pálida do indigente,
Mas lhe é negada a oblação
Seu espaço é definido demais e os corpos ainda se contraem
Numa busca desamparada de viver
Vivem o homem e o cão
Vivem a mulher e a serpente
Serpenteiam seus corpos oblíquos a enlaçar o homem
A sufocar o cão
Mas a morte não vem, não vem a doce lembrança,
Não vem o grito, nem vem o silêncio,
Apenas o descompasso absurdo de vultos que dançam
Sob um ritmo alucinado de Valquírias ensandecidas
Eis que surge a espada
A lâmina reluzente e mais nada...
.
.
Flávio Offer
.
sábado, 6 de dezembro de 2008
Faz tempo bom
eu não sou diferente contigo
acontece que quando estou com você
procuro ser o melhor que consigo
sorrio diferente e sigo estridente
pois no frio, ao sol nascente
minha primavera de alegria amanhece.
não repare agora, estou sorrindo
e se o outono, agora, vai embora
não importa, eu espero a noite chegar.
o teu brilho afugenta minha neblina;
e em falta de minhas palavras, te entrego
a carícia no pescoço sob o teu cheiro.
e como bebo...
tua saliva, língua-à-língua
o teu cabelo eu prendo e puxo,
que esse tempo estive louco pra te ver.
acontece que quando estou com você
procuro ser o melhor que consigo
sorrio diferente e sigo estridente
pois no frio, ao sol nascente
minha primavera de alegria amanhece.
não repare agora, estou sorrindo
e se o outono, agora, vai embora
não importa, eu espero a noite chegar.
o teu brilho afugenta minha neblina;
e em falta de minhas palavras, te entrego
a carícia no pescoço sob o teu cheiro.
e como bebo...
tua saliva, língua-à-língua
o teu cabelo eu prendo e puxo,
que esse tempo estive louco pra te ver.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Poesia ao vento
Bate o vento
Sem licença do universo
Ímpeto traz
leva folhas
de poesias inda não vivas
brinca
com os cabelos das meninas
toca pétalas
numa dança colorida
levanta saias
em brincadeiras atrevidas
esta aura que me sopra
despenteia
inspira
e aviva a alma adormecida
justifica
tudo aquilo que se move
e ativa olhares
dedos que se alinham em tempestade
pra que mais uma poesia
ganhe’os ares!
Caroline Schneider
Sem licença do universo
Ímpeto traz
leva folhas
de poesias inda não vivas
brinca
com os cabelos das meninas
toca pétalas
numa dança colorida
levanta saias
em brincadeiras atrevidas
esta aura que me sopra
despenteia
inspira
e aviva a alma adormecida
justifica
tudo aquilo que se move
e ativa olhares
dedos que se alinham em tempestade
pra que mais uma poesia
ganhe’os ares!
Caroline Schneider
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Pétala
Cai a pétala cara a mim.
Rodopia no ar
criando nuances e cores
de pétala que vai.
É rubra enquanto cai, a pétala
que boiando no ar
tornar-se-á exangue.
Como dói ao olhar
o frenético sangrar
da flor voante.
Como sarar em meu corpo
o perene partir desta cor...?
Pétala faz parte do livro Outros Sentidos, lançado em junho.
Rodopia no ar
criando nuances e cores
de pétala que vai.
É rubra enquanto cai, a pétala
que boiando no ar
tornar-se-á exangue.
Como dói ao olhar
o frenético sangrar
da flor voante.
Como sarar em meu corpo
o perene partir desta cor...?
Pétala faz parte do livro Outros Sentidos, lançado em junho.
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