quinta-feira, 26 de abril de 2007

Quando chegar o verão

Sebastião percebe que o vento parecia não estar mais soprando. Ele se ajoelha:

- Quando chegar o verão, eu vou te buscar em casa. Vamos passear no parque. Compro para você um sorvete daqueles que aprecia e peço para o homem com o violão me deixar tocar a sua música. A tarde será perfeita.

O vento agora voltou e parece estar mais forte que o comum. Sebastião deixa as flores em cima do túmulo, desiste dos planos e passa os olhos rapidamente na escritura da lápide: “Aqui jaz Sandra Borges de Medeiro, esposa amada e filha querida”. Ele deixa as lembranças de lado e se põe em pé novamente. Caminha pelo cemitério buscando um sentido para a própria vida, agora que a noiva não está mais presente e nunca mais estará. Ele se vê sozinho, sem família e perdido.

Ele sai do cemitério e, mesmo sem saber o que faria naquele momento, sobe no primeiro ônibus que vê passando. Dentro do veículo ele passa a escrever a primeira carta de sua vida, nunca havia escrito uma antes durante seus vinte e três anos:

“O engraçado (ou o inexplicável) é que eu não lembro de ver a cidade assim tão triste. A chuva, que normalmente não cai, parece tentar dizer a todos que alguém dentro de um ônibus, escrevendo, sofre por uma pessoa que conhece há tão pouco tempo. Isso me faz recordar de um filme qualquer, ou então seria tão único que só se vê em filme mesmo.” - Ele tenta se equilibrar no ônibus e escrever meio sem jeito. “Parece que eu te conheço há anos, que eu te adoro desde sempre. Parece que eu te amo desde que eu nasci... Você merece o mundo e eu só tenho algumas folhas de papel em branco, uma caneta e um lápis. Nem mesmo uma borracha eu tenho.”

Sebastião olha as calçadas, as esquinas, os bares. É hora de descer do ônibus, mesmo sem poder enviar a carta para quem gostaria.


p.s.: confuso???

6 comentários:

Anônimo disse...

UMa bela narrativa de uma triste história...a perda é sempre dolorosa.
Abraços!

flaviooffer disse...

Confuso?
Confusa é nossa relação com a morte, com a dor da perda. Estamos acostumados demais a esta casca que nos envolve e aos sentimentos que temos por nossos entes...E, a morte mexe com todos estes sentimentos e revela outros que se ocultam em nosso intimo.
Abraço.
Paz e Literatura sempre!

ofilhodoblues disse...

gostei.. narrativa mto bem conduzida...

flew!

Augusto Sapienza disse...

"A morte passou aqui em casa, /
abriu ferida /
para me jogar na cara, /
o que é a vida"

Texto adorável...

Glauber Vieira disse...

Hmmm, muito bom cara, o texto foi bem conduzido, o final coerente, não tem nada de confuso. Quem já sofreu com uma perda certamente se sente como o seu personagem. Isso significa que vc tem sensibilidade e capta bem o mundo a sua volta.
Parabéns!

Larissa Marques - LM@rq disse...

Sê bem vindo, meu caro! Perdas são necessárias, a morte desperta sentimentos raros nos homens.