quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Tela de Maggie Taylor


Anatomia de um rio


Às margens desse rio asfixiado,
habitado pela merda expelida das casas
e o ácido excedente das indústrias,
homens pararam por um instante –
testemunharam seus reflexos no espelho
antes de seguir viagem; outros
velaram toda uma noite atrás de um peixe.

Nessas águas espessas,
violentadas pelo óleo das auto-estradas,
oprimidas pelo caldo dos bueiros,
mulheres lavaram a roupa e as mágoas;
outras se aliaram ao corpo do rio
para ajudar as flores a resistirem ao inverno
e os tomates a se rebelarem contra a seca.

Às margens desse rio viciado,
picado pela agulha dos hospitais,
assaltado pela indigestão dos restaurantes,
meninos caçaram animais que por ali se aventuravam
ou simplesmente ficaram ao vento –
que não tinha o cheiro senão do campo que percorria.







*

4 comentários:

Caim disse...

Ja tinha falado que nao ia mais comentar seus poemas e vc sabe porque... mais nao resisti ao ver que seria o primeiro... hehehehe.... Muito bom Nolli... abraços...

Barone disse...

Gande Rafael, seus poemas são como sal na ferida.

Larissa Marques - LM@rq disse...

Causa um efeito indescritível em mim, Nolli! Sabe o lago quando se vê nos olhos de Narciso, ou Narciso quando se olha no lago? É isso, ou quase!
Destaco:
"mulheres lavaram a roupa e as mágoas;
outras se aliaram ao corpo do rio"
Essa parte me lembrou-me um trecho meu:
mulheres lavaram a roupa e as mágoas;
outras se aliaram ao corpo do rio (...)

Iriene Borges disse...

Só mesmo um poeta para extrair beleza de uma realidade tão bizarra!
Parabéns