terça-feira, 16 de outubro de 2007

REPRISE

Vinha o Fonseca andando no seu 0 quilômetro pela avenida W3 Sul, uma das principais de Brasília. Era um domingo, e o dito cujo pegara o carrão para dar uma volta pela cidade, e nada melhor do que a comprida e praticamente reta pista de não sei quantos quilômetros de comprimento, quase que deserta naquele dia.
Fonseca percorreu toda a avenida e entrou no Eixo Monumental, contornou a Esplanada dos Ministérios e resolveu entrar na W3 Norte. Mais ou menos na metade desse novo percurso, foi obrigado a frear: uma moça e três rapazes, um deles com uma câmera de vídeo na mão, estavam parados no meio da pista e pediram para que parasse, o que fez.
— Bom dia, amigo, tudo bem? — perguntou um dos rapazes.
— Tudo, e com vocês?
— Às mil maravilhas. Nós pedimos que parasse para pedir um favor, se não se importar.
— Sim.
— É o seguinte: somos alunos de cinema e estamos fazendo um exercício prático, entende? Teremos que filmar nossos dois amigos aqui ao lado (e apontou para um dos rapazes e a morena de um metro e oitenta, bermudinha, top combinando com as sandálias, cabelos compridos e belos olhos amendoados, pequenos detalhes que Fonseca percebeu naquele segundo). Bom, eles estarão representando um casal de empresários que alugaram o carro para conhecer a cidade, já que vieram de fora. O que acontece é que o seu carro é o modelo ideal que procuramos. Será que poderia nos ceder por alguns momentos? Rodaremos até o próximo retorno e aí voltamos. A filmagem será feita pelo câmera naquele carro, que eu estarei dirigindo emparelhado ao seu. Esse trabalho vai fazer parte de um filme experimental e teremos o maior prazer em colocar seu nome como colaborador.
Fonseca pensou um pouco e, no fim, achou que não haveria problema em ajudar aqueles pobres alunos. Além do mais, a possibilidade de forçar uma amizade com a tal morena o agradava. Aceitou a idéia. Mas ainda perguntou:
— Não poderia ir junto?
O rapaz parecia esperar a pergunta e respondeu:
— Sinto muito, mas sabe como é: nesse processo de criação a gente fica um pouco sem graça com pessoas de fora, entende? Preferimos que o senhor veja o resultado da gravação só quando o filme estiver pronto.
Fonseca concordou com rapaz e se posicionou no canteiro central da avenida. O rapaz que o interpelara e o outro com a câmera entraram em um carro de 4 portas (o da câmera ficou atrás filmando) enquanto o casal entrava no seu importado. Sua última tentativa de ficar mais próximo daquele monumento de pele cor de jambo não foi feliz:
— Sabe guiar esse carro? As marchas são um pouco diferentes...
— Não se preocupe. — respondeu o jovem — estamos acostumados com esse tipo de veículo.
E saíram.
Fonseca calculou que estariam de volta em 2 minutos.
Esperou três.
Quatro.
Cinco.
Ao fim de dez minutos, desconfiou de que algo estava errado e começou a andar de um lado pro outro. Após algum tempo, ligou desesperado pra polícia.
A viatura chegou logo depois e ele foi levado para a delegacia. Sentou-se de frente para o delegado e começou o seu relato. À medida que ia falando, tanto o delegado como o escrivão faziam uma cara de que já conheciam a história. E de fato: grupo de bandidos bem vestidos e de boa lábia fingiam ser estudantes de cinema e levavam pra uma filmagem que não acabava nunca os carrões de grã-finos, naturalmente cheios de amor pela arte (sempre havia uma bela morena presente).
Desconhecia-se contudo, se o filme passaria depois em terras paraguaias ou em alguma oficina de desmanche da cidade...
Ao terminar a história, ante o silêncio do delegado, Fonseca perguntou:
— E então doutor? Acha verdadeira essa história de filmagem?
E o delegado apenas respondeu:
— Sim, meu amigo. Eu até já vi esse filme...

Um comentário:

Deveras disse...

Gosto de Brasília, boas as referências, gostei da morena e da tentativa do "kaô" que jogaram... Mas que esse Fonseca é um achado para um malandro, ah, isso é!

Como diria a velha guarda: nasce um ótario a cada dia, rs

ficanapaz