quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra


Quando falamos em povo brasileiro surge logo aquela tríade futebol-samba-e-carnaval. Há algo de errado nisso? Não, acredito que não. Não faço parte do grupo de pessoas que querem extinguir por completo os traços de uma nação, alegando que não podemos generalizar, que não podemos simplificar um povo. Acredito, sim, que existem traços culturais que são bem marcados, e essa tríade, futebol-samba-e-carnaval, é verificada de norte a sul do país.
Não importa se o time é de primeira, segunda ou terceira divisão, o que importa é que em todos os estados existem os populares clássicos do futebol. O Samba é outro sintominha da nossa brasilidade, não é difícil encontrar uma roda de samba. No carnaval predomina o samba e seus subprodutos, mas se não tem samba, tem outra porrada de ritmos disponíveis denunciando que é hora de festejar. Mas, festejar o que mesmo? A vida? Só pode ser a vida. Mas, que vida? A minha, a sua, essa que Deus nos deu. Mas, que Deus? Como assim que Deus? Quem ousaria questionar a existência de Deus? Deus é brasileiro, né não? Não sei se Deus é brasileiro, mas sei que nesse cantinho gelado do mapa onde futebol-samba-e-carnaval se faz presente denunciando que aqui também é Brasil, a fé vive em direto confronto com a razão.
Hoje, 20 de setembro, se comemora a Revolução Farroupilha. Revolução que não teve sucesso, mas é comemorada por todos os gaúchos. Uma comemoração que tem como principal característica o cultivo da história, dos valores humanos e políticos, aqui se canta o hino que diz “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Talvez por influência da filosofia positivista, tenha se instaurado um ceticismo que entra em contraste com o resto do país.
Há crenças no Rio Grande do Sul? Claro que há, mas observem que o modelo a ser seguido aqui é o da história do homem: sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra. E devido a vastíssima diversidade cultural do Rio Grande do Sul, negros, índios, alemães, italianos, açorianos..., me surpreendo todos os dias com a determinação de um povo que está longe de ser esteriotipado, generalizado. Definir um único traço para essa cultura seria um perigo, o Rio Grande do Sul escapa dos rótulos. Érico Veríssimo conseguiu resgatar um pouco dessa história de guerras, mas, ainda assim, só uma parcela desse povo é que está descrita em seus livros. Moacyr Scliar, mais contemporâneo e não menos histórico, nos presenteia com algumas histórias do judaísmo...
As pessoas aqui em Porto Alegre costumam dizer que a cidade é um ovo. Porto Alegre hoje tem mais de um milhão e oitocentos mil habitantes, com um ar de cidade provinciana, onde as tribos de alguma forma se encontram. Ao mesmo tempo em que é pequena é enorme porque permite, na sua grandeza, acolher a diversidade de pensamentos.
Talvez a 6ª Bienal do Mercosul seja a expressão maior da grandeza desse povo. Patrocinada pela iniciativa privada, a maioria empresários gaúchos, fazem uma das maiores exposições de arte do planeta. Tendo como elemento introdutório o conto de Guimarães Rosa, “A Terceira Margem”, a Bienal ocupa dois prédios históricos e o cais da cidade. Do outro lado da cidade, um grupo de artistas locais, criaram a Bienal B, o lado B da Bienal. Sem contar que nesse mês acontece o Porto Alegre em Cena, espetáculos teatrais com preços populares com a presença das melhores companhias do mundo, neste ano se destacam: Théâtre Du Soleil, Julio Bocca, Sankai Juku...
A tradicional feira do livro é outro evento que acontece agora, no mês de outubro. Todos esses eventos culturais contrastam com o tradicional gaúcho dos pampas que historicamente vivia em um ambiente hostil e extremamente machista. Só esse povo consegue ser contraditoriamente exemplar. Festejo essa data pela identificação com a história, pelas façanhas alcançadas hoje e pela vida que está justificada pela determinação de conhecer, lutar e vencer.

Da cidade que [dizem] é um ovo.

Freddie Fernandes.

Porto Alegre, 20 de setembro de 2007.

2 comentários:

Larissa Marques - LM@rq disse...

Espero que logo estejam falando de minha tríade "Entre o negro e o nada", "Infernos Íntimos" e "O oco e o homem"...
Muito bom o texto!

Anônimo disse...

Eu gostei muito das tuas análises e fazer parte um povo contraditoriamente exemplar é muito bom.
Somos vizinhos, mas eu admiro imensamente algumas das tradição do teu povo!