(O homem que olhava o céu?)
(É.)
O homem olhava para o céu no meio do pátio universitário. A boca estava meio aberta e os olhos apertados. Parecia forçar os olhos a procura de algo. O que ele procurava o deixava espantado.
-Ah.- Exclamava.
Um cabulador escutou a interjeição e, para matar o tempo, olhou para cima a fim de descobrir o que assombrava tanto o homem. Nada achou, mas já que estava ali, deixou-se ficar.
-Ah.- disse o homem que olhava o céu.
Um grupo de moças, com a curiosidade inerente às mulheres, parou e cochichou, perguntando-se o que o homem olhava. Como as respostas foram vazias, passaram a procurar no céu o que atraia sua atenção.
Uma turma de rapazes que esperava a próxima aula, sentados nos corredores entre as salas, viram o amontoado de garotas e chegaram mais perto para ver se elas usavam ou não sutiã. Notaram que todas olhavam para o céu, deviam estar vendo alguma coisa interessante.
-Ah.- Falou o homem que olhava o céu.
-Aaah.- Repetiram alguns que ali estavam, para dar a impressão de que também viram.
Professores que andavam pelo local pararam e começaram a pesquisar o céu. Faxineiras, maravilhadas, estavam adorando participar daquele movimento estudantil. Funcionários da Universidade também estavam ali, com o intuito de descobrir se aquela agitação lhes traria algum indesejado serviço extra. Vendedores de balas, aproveitando a concentração, encostaram com seus carrinhos. E estudantes, muitos, pararam, viram o pessoal e olharam para o céu.
-Ah.- Anunciou o homem que olhava o céu.
-Aah.- Assustaram-se uns.
-Aah.- Disseram outros.
-Aah.- Contemplaram alguns.
-Aah.- Entenderam algoutros.
-Aah.- Repetiu o resto.
Uma verdadeira multidão agora estava em torno do homem que olhava o céu. Alguns perguntavam o que eles estavam vendo.
-Ali.- Respondiam-se sussurrando. -Lá em cima, não tá vendo?
-Ha hã.- Claro que estava, não admitiria que era o único a não ver.
Católicos, protestantes, crentes, macumbeiros, teosóficos, numerologistas, tarólogos, brancos, pretos, amarelos, vermelhos, verdes (havia uma gestante quase parindo e ela estava verde de enjôo), operários, empresários, gerentes, vendedores, advogados, médicos, engenheiros, vagabundos, cabeludos, carecas, gays, heteros, bis, dois olhos, quatro olhos, petistas, peemedebistas, pedeessistas, doentes, saudáveis, atletas, ociosos, inteligentes, burros, bonitos, feios, virgens, tarados, aidéticos, fumantes, não-fumantes, drogados, prostitutas, clientes, vicentinos, assistentes sociais, roqueiros, jazzeiros. Muitas, muitas pessoas estavam ali. De todos os tipos. Todos cercavam o homem que olhava o céu.
-Ah.- Disse ele.
-Aaah.- Responderam todos, espantados.
-Nhé.- Respondeu o bebê, que nasceu ali mesmo.
-Ah.- Repetiu o homem que olhava o céu.
-Aaaah.- Responderam todos, em coro.
A multidão estava unida pela curiosidade e pelo respeito ao evento que estava prestes a se desencadear. Todos tinham um só pensamento e uma só voz.
-Ah.- Novamente o homem que olhava o céu.
-Aaaaah.- A multidão.
Todos ficaram nervosos.
-Ah.- Mais uma vez o homem que olhava o céu.
-Aaaaaah.- A multidão, mais alto.
A coisa estava acontecendo.
-Ah.- O homem.
-Aaaaaaah.- A multidão.
Subitamente:
-Athin.- O homem que olhava o céu agora olhava para baixo, depois de ter espirrado em todos na sua frente.
(Espirrado em todos que estavam na sua frente?)
(É, ele não colocou a mão na boca.)
(Ah.)