tela de Dorothea Tanning
22/12/03 O homem que fugiu de casa ontem passou pelo meu verso numa correria desatada – os cabelos desgrenhados, a roupa esfarrapada. Em seu ouvido, ainda ecoava a fome de seus filhos esquecidos em dois cômodos e um banheirinho fedendo urina, fezes e vômito.
O homem que fugiu ontem de casa resvalou um olho cansado ao passar pelo meu poema – sua dor o levará a São Paulo, ou a outra grande cidade que fede a gás carbônico e vagina; o levará aonde disseram ser o dinheiro mais verde e o bolso menos fundo.
Ao homem que fugiu ontem de casa e que, por um momento, estacou-se diante desse poema, eu tenho apenas o meu respeito, nada mais; mas saiba que aqui também estou eu, escondido desde o momento em que fugi e resvalei com a fome dos que plantam, pescam e colhem a mesa que enfeita nosso jantar e produzem com suor e lágrimas o sono tranqüilo de nosso vizinho...
* Publicado no livro Memórias à Beira de um Estopim, 2005
(O livro pode ser adquirido pelo valor de 10 reais. Pedidos pelo meu e-mail: nolli@bol.com.br)
3 comentários:
Nossa, Nolli...
Emudeci.
"Porque dói saber tanto às vezes..."
Nolli,
A tela é maravilhosa, e o poema é intenso, aliás não conheço Nolli sem intensidade. Você é o escritor do solavanco na boca do estômago, o escrtor do desconforto, isso me agrada muito.
Beijo!
Já tinha lido esse texto em algum lugar, é simplesmente muito bom, o Nolli escreveu de uma forma bem original.
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