terça-feira, 24 de julho de 2007

POEMA XI

tela de Dorothea Tanning

22/12/03

O homem que fugiu de casa ontem passou pelo meu verso numa correria desatada – os cabelos desgrenhados, a roupa esfarrapada. Em seu ouvido, ainda ecoava a fome de seus filhos esquecidos em dois cômodos e um banheirinho fedendo urina, fezes e vômito.

O homem que fugiu ontem de casa resvalou um olho cansado ao passar pelo meu poemasua dor o levará a São Paulo, ou a outra grande cidade que fede a gás carbônico e vagina; o levará aonde disseram ser o dinheiro mais verde e o bolso menos fundo.

Ao homem que fugiu ontem de casa e que, por um momento, estacou-se diante desse poema, eu tenho apenas o meu respeito, nada mais; mas saiba que aqui também estou eu, escondido desde o momento em que fugi e resvalei com a fome dos que plantam, pescam e colhem a mesa que enfeita nosso jantar e produzem com suor e lágrimas o sono tranqüilo de nosso vizinho...




* Publicado no livro Memórias à Beira de um Estopim, 2005

(O livro pode ser adquirido pelo valor de 10 reais. Pedidos pelo meu e-mail: nolli@bol.com.br)

3 comentários:

Marla de Queiroz disse...

Nossa, Nolli...
Emudeci.

"Porque dói saber tanto às vezes..."

Larissa Marques - LM@rq disse...

Nolli,
A tela é maravilhosa, e o poema é intenso, aliás não conheço Nolli sem intensidade. Você é o escritor do solavanco na boca do estômago, o escrtor do desconforto, isso me agrada muito.
Beijo!

Glauber Vieira disse...

Já tinha lido esse texto em algum lugar, é simplesmente muito bom, o Nolli escreveu de uma forma bem original.