Estou cansado, exausto. O trabalho aqui na repartição não é para qualquer cidadão. Eles colocam estas máquinas fantásticas à nossa disposição e agora que a gente pega o gostinho de jogar paciência ficam nos interrompendo a toda hora.
Aliás, a paciência modificou totalmente o relacionamento entre os funcionários. Nos bons tempos tínhamos longas discussões produtivas. Discutíamos a importância do sal marinho na dieta dos esquimós residentes à margem esquerda do estreito de Bhering, questionávamos acaloradamente o desperdício de espaço nas caixas de fósforos, que poderiam conter cinqüenta fósforos ao invés dos quarenta e cinco anunciados, fazíamos mesas redondas visando determinar a idade em que as crianças devem ser ensinadas a dar nó no cadarço do tênis, reuniões infindáveis a respeito da influência da escultura barroca no formato do pão francês, contendas incríveis para descobrir o número de notas musicais do canto do uirapuru logo após o acasalamento.
O único questionamento que faz sentido é de um colega do quarto andar que está circulando abaixo-assinado, exigindo adicional de insalubridade devido ao alto grau de adrenalina liberada pelos praticantes de paciência, ou seja, todos aqueles que têm um micro à sua disposição. A justificativa do colega é muito bem embasada porque tem duas justificativas: a primeira é intrínseca à própria emoção causada pelo jogo em si, mesmo quando não envolve apostas em dólares e a outra justificativa é a emoção do escondido o que faz com que cada funcionário esconda do outro a prática do esporte.
– Tá à toa, von Silva?
– Nada. – Mudando agilmente a tela para um gráfico de barras multicolorido. – Estou traçando um paralelo entre a variação do preço do barril de petróleo e o consumo de alface entre a população carente.
Por outro lado, a chefia também vive momentos de altíssima adrenalina por conta da paciência.
Imagine a situação: o poderoso chefe está concentrado deslocando um sete de paus sobre um oito de copas quando de repente, não mais que de repente, a porta se abre e inadvertidamente entra o subordinado perguntando qualquer coisa – subordinados nunca fazem perguntas de valia.
– Diabos! Já disse um milhão de vezes que não quero que interrompam meu raciocínio durante o planejamento do orçamento intermodal fiduciário atemporal. – Cuja tradução seria que odeia ser interrompido justamente num emocionante movimento de um sete de paus sobre um oito de copas.
Já existe um movimento sendo articulado por funcionários de outra repartição no sentido de criar uma associação dos jogadores de paciência. O movimento tem se alastrado com velocidade e vigor, pois nem todos os funcionários têm micro à disposição, assim, nos intervalos entre contendas podem buscar informações para produzir as normas regulamentares de tão importante instituição. Seriam formadas associações municipais, estaduais e federal. A CONAJOPA – Confederação Nacional de Jogadores de Paciência – já foi formada e tem dois deputados disputando cargos para a diretoria. Estão neste momento contatando a American Solitaire Players para oficializar uma liga internacional com sede na Suíça.
Os cartolas e políticos estão apressados em oficializar as associações para sair na frente e partilhar os melhores cargos da liga internacional. Nos bastidores, conforme fonte segura, estão firmando os primeiros contratos com os patrocinadores para a transmissão das partidas pela televisão. As instituições inscritas nas associações terão incentivos fiscais, além de descontos especiais na aquisição de novas máquinas. A fonte confirmou também que já estão bem adiantadas as negociações para que Brasília seja a cidade sede da I Copa do Mundo de Paciência. As outras candidatas são Washington, Londres e Nova Iorque, sede da ONU, e que por isso conta com um número grande de participantes do esporte.
A igreja católica está se opondo ferrenhamente, o que pode ser observado nos sermões das missas domingueiras quando o clérigo se manifesta obedecendo a última encíclica onde Sua Santidade impõe o nome patientia, do latim.
Chega de trabalho! Com todas essas coisas acontecendo mundo afora, tenho que treinar bastante e estar pronto para representar condignamente meu país.
Aliás, a paciência modificou totalmente o relacionamento entre os funcionários. Nos bons tempos tínhamos longas discussões produtivas. Discutíamos a importância do sal marinho na dieta dos esquimós residentes à margem esquerda do estreito de Bhering, questionávamos acaloradamente o desperdício de espaço nas caixas de fósforos, que poderiam conter cinqüenta fósforos ao invés dos quarenta e cinco anunciados, fazíamos mesas redondas visando determinar a idade em que as crianças devem ser ensinadas a dar nó no cadarço do tênis, reuniões infindáveis a respeito da influência da escultura barroca no formato do pão francês, contendas incríveis para descobrir o número de notas musicais do canto do uirapuru logo após o acasalamento.
O único questionamento que faz sentido é de um colega do quarto andar que está circulando abaixo-assinado, exigindo adicional de insalubridade devido ao alto grau de adrenalina liberada pelos praticantes de paciência, ou seja, todos aqueles que têm um micro à sua disposição. A justificativa do colega é muito bem embasada porque tem duas justificativas: a primeira é intrínseca à própria emoção causada pelo jogo em si, mesmo quando não envolve apostas em dólares e a outra justificativa é a emoção do escondido o que faz com que cada funcionário esconda do outro a prática do esporte.
– Tá à toa, von Silva?
– Nada. – Mudando agilmente a tela para um gráfico de barras multicolorido. – Estou traçando um paralelo entre a variação do preço do barril de petróleo e o consumo de alface entre a população carente.
Por outro lado, a chefia também vive momentos de altíssima adrenalina por conta da paciência.
Imagine a situação: o poderoso chefe está concentrado deslocando um sete de paus sobre um oito de copas quando de repente, não mais que de repente, a porta se abre e inadvertidamente entra o subordinado perguntando qualquer coisa – subordinados nunca fazem perguntas de valia.
– Diabos! Já disse um milhão de vezes que não quero que interrompam meu raciocínio durante o planejamento do orçamento intermodal fiduciário atemporal. – Cuja tradução seria que odeia ser interrompido justamente num emocionante movimento de um sete de paus sobre um oito de copas.
Já existe um movimento sendo articulado por funcionários de outra repartição no sentido de criar uma associação dos jogadores de paciência. O movimento tem se alastrado com velocidade e vigor, pois nem todos os funcionários têm micro à disposição, assim, nos intervalos entre contendas podem buscar informações para produzir as normas regulamentares de tão importante instituição. Seriam formadas associações municipais, estaduais e federal. A CONAJOPA – Confederação Nacional de Jogadores de Paciência – já foi formada e tem dois deputados disputando cargos para a diretoria. Estão neste momento contatando a American Solitaire Players para oficializar uma liga internacional com sede na Suíça.
Os cartolas e políticos estão apressados em oficializar as associações para sair na frente e partilhar os melhores cargos da liga internacional. Nos bastidores, conforme fonte segura, estão firmando os primeiros contratos com os patrocinadores para a transmissão das partidas pela televisão. As instituições inscritas nas associações terão incentivos fiscais, além de descontos especiais na aquisição de novas máquinas. A fonte confirmou também que já estão bem adiantadas as negociações para que Brasília seja a cidade sede da I Copa do Mundo de Paciência. As outras candidatas são Washington, Londres e Nova Iorque, sede da ONU, e que por isso conta com um número grande de participantes do esporte.
A igreja católica está se opondo ferrenhamente, o que pode ser observado nos sermões das missas domingueiras quando o clérigo se manifesta obedecendo a última encíclica onde Sua Santidade impõe o nome patientia, do latim.
Chega de trabalho! Com todas essas coisas acontecendo mundo afora, tenho que treinar bastante e estar pronto para representar condignamente meu país.
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Esta crônica faz parte do livro “von Silva” , a editar.
Esta crônica faz parte do livro “von Silva” , a editar.
4 comentários:
Um bom escritor deve ser antes de tudo um bom observador, e o Klotz preenche esses requisitos: de um fato banal do cotidiano, surge um simpático texto!
Você colocou com maestria a questão fundamental da humanidade quando confronta o humano com a máquina. Esta é uma questão fundamental nas mesas de discussões de qualquer governo em qualquer lugar do mundo.
Parabéns pela iniciativa.
Este é um 'caso verdade' que muito provavelmente irá se tornar um grande sucesso da indústria cinematográfica holywoodiana!
Abraços!
Adoro seu ritmo de escrita, a coesão e coerência textual, além da maneira que aborda o tema, é incrivelmente particular e tocante. Não sei mais rasgar elogios à sua prosa, que para mim, é algo indizível.
Beijo, meu caro e orgulho te conhecer pessoalmente!
Maneiríssimo!
Espero que seu treinamento intensivo de paciência o torne um "fenômeno" do assunto, rs
A propósito, sabe se vai ter esta modalidade no Pan?
Esperamos medalhas!
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