As paredes ainda têm gosto de cal. Se meus cabelos ficarem brancos, é que voltaram à cor original.
Falsas oferendas para falsos deuses. Pobres flores.
Pobre dela. A gangorra não sobe nem desce, está sempre em equilíbrio.
Naquela época lhe encantaria qualquer coisa que eu dissesse.
Naquela época, o sol subia, implacável, dotando a brancura de pequenas ilhas. Constelações nadando no creme das nossas peles. Melanoma basal.
“com esse maiô, você parece uma frutinha” mas o maiô era preto.
Minhas lembranças mais tenras usam bóias de braço. Bom que não se afogam.
Vovô nos levava ao parque da água preta. Eu pregava botões em panos brancos.
Tudo me parece agora
figurinhas autocolantes de fauna e flora
cartazes de cartolina e aquele livro das fadas, dos animais de nuvem e dos oito horizontes.
Eu ria toda vez que ouvia palavrão.
Ela se chamava marina e me achava linda. Um dia enjoei dela e disse que o passarinho de massinha representava nossa amizade, com a maior esperança de que o material frágil se desfigurasse. As unhas do pé do pai dela eram pretas.
Naquelas férias eu quebrei o braço num brinquedo do parquinho e não conseguia dividir as frações, não podia segurar a régua.
Não doeu. Tirar o gesso faz cosquinhas, o braço fino e empoado, todo maquiado pra receber mais uma vez a luz do dia.
Decepções maiores, só depois. Mas sem lágrimas.
Eu odeio chorar em público.
7 comentários:
ai quanto lirismo... tristinho...
belo Czá, tens mão boa ao canto que entoa!
beiJardins
Que melancolia, lindo texto!
Beijo grande!
Descritos belos e empolgantes.
Abraços!
Gosto desse estilo, linguagem fluindo junto com o pensamento.
sempre bom
Gostei da sua sintonia, parece aquela melodia que não sai da mente - mas só vem em um instante especial.
caminhos e descaminhos
zigue zagues de figuras passionais
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