segunda-feira, 14 de maio de 2007

Carência de mãe

Eu estava em uma roda de amigos quando o tema da comida dos naturalistas e vegetarianos surgiu. Houve um ataque violento desferido contra as carnes vermelhas. Elevam a pressão arterial, aumentam a taxa de ácido úrico e engrandecem a taxa de colesterol, além de representar o sacrifício de milhares de animais indefesos. A defesa foi imediata e tão veemente quanto: as milhares de plantinhas indefesas também não escapam do sacrifício. Sem a carne não estaríamos reunidos aqui em torno da churrasqueira e não estaríamos discutindo o futuro da humanidade.
No começo da noite cheguei em casa, solitário, e ainda com aquela conversa da comida saudável martelando na cabeça.
Vinho é bom para o coração. Chá de boldo e de carqueja aliviam os trabalhos do fígado. Chá de erva-doce é digestivo e evita gases. Berinjela combate o colesterol. Amendoim com casca é afrodisíaco. Alho afasta a gripe e vampiros. Chá de folha de nabo é indicado para aliviar as hemorróidas enquanto o nabo inteiro as prejudica. Acredito que a aguardente é fantástica para arrumar emprego. É muito comum o alcoólatra chegar em casa dizendo que estava procurando emprego. A lista é enorme. Não estou pensando em nada que resolva problemas como espinhela caída ou unha encravada. Meu problema é carência.
Não é o que você está pensando! Tenho namorada e namoramos ontem à noite depois do cinema. Refiro-me à carência de mãe. Do afeto maternal. Aquela coisa de colo, de cafuné na cabeça e palavras ditas bem baixinho.
Qual será a comida que combate ausência de mãe? Minha mãe está muito distante, um telefonema é muito pouco. E não enche barriga nem coração.
Pizza, miojo e lasanha resolvem problemas imediatos de falta de cozinheira. Nossa Senhora dos Solitários Abandonados, além de não ser erva medicinal, não tem o calor da nossa mãe.
Preciso urgente descobrir qual é a comida terapêutica para carência maternal. Não é só menino que sente falta do aconchego da mãe.
Na cozinha, abro armários e potes. Olho caixas e pacotes. Procuro aqui. Procuro acolá.
Açúcar? Humm. Isso lembra infância. Doces da mamãe, geléias e bolos.
Na geladeira vejo alface e lembro dela dizer que “tem de comer, é bom para os intestinos”.
A respeito do café, minha mãe sempre dizia que eu não deveria tomar à noite, senão eu não dormiria.
Volto para o armário e continuo procurando. Chocolate em pó, salsichas, sardinhas, sabão em pó, aspargos.
Sabão em pó? O que esta caixa está fazendo aqui?
Sopa de ervilhas, macarrão, goiabada, pipoca de microondas, arroz, maisena, outro pacote de macarrão, batata palha, leite condensado, creme de leite.
Volta lá! Achei! É isso, maisena. Mingau de maisena!
Mingau de maisena é mãe servida em prato de sopa!

※ ※ ※ ※ ※
Esta é minha homenagem às mães, cujo dia foi comemorado ontem, e está no livro (não publicado) Aventuras Culinárias.

7 comentários:

Anônimo disse...

Palmas, e mais palmas. Muitos mitos de mãe rolam por aí, mãe santa, mãe perfeita, mãe rainha do lar, mãe caridosa. Mãe é uma mulher como outra qualquer, digo por mim, por ter e ser uma.
E que mãe nunca fez mingau de maisena pro filho?
Sem dúvida é um sabor de infância. O meu preferido é bolo de coco com guaraná. É o gosto de infância que mais me recordo...
Beijo grande, meu querido e feliz dia das mãews pra você, porque pai, também é mãe. Risos.

Marília Passos disse...

é verdade! hehehe fiquei ate com vontade de comer =x hehehe
muito bom :)

- disse...

Muito criativo e bem escrito .. hehehe Beijins

flaviooffer disse...

Gostei do texto. Deu até vontade de coltar à infância. Passei meu dia das mães assim tbem...carente!
coisa que nem telefonema resolveria... morar longe da família é foda!

MPadilha disse...

Eu quase engasguei aqui quando li sobre nabo inteiro ser prejudicial às hemorróidas, quando li sobre o alho afastar vampiros até dei um passo para trás, mas quando vi o mingau de maisena, lembrei de minha mãe. Que saudade! Lindo! Amei! Beijão

Glauber Vieira disse...

Texto singelo e verdadeiro, com pitadas de humor. Maravilhoso!

Ariel Foroni Avelar disse...

Fantástico!
Realmente carência de mãe é algo profundo, inexplicável, insubstituivel. Sinto o cheiro da minha mãe em coisas, comidas, lençois. Ela tem um sorriso marcante, presente, lindo! È forte, bem decidida, mas é criança, pede pelo colo dos filhos e ama brigadeiro! Mãe! Como pode existir um ser tão belo?! Mãe, não inventaram nada melhor que o colo dela!