sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sobre golpes, tretas e literatura de comadre

- Seqüestramos seu filho!

Disse o cara ao telefone. Veio com um papo que era do Corpo de Bombeiros, perguntou se eu conhecia alguém de vinte e poucos anos, descreveu mais ou menos a pessoa. Quando confirmei que era meu filho, veio com o golpe.

- Chupe o pau dele! – Foi minha resposta.

Imagino que ficou tão desconcertado que emudeceu.

- Com carinho, tá? – Pedi. E desliguei.

Eu não tenho filho. Sabia que o telefonema era um golpe. Coisa de presidiário, ligam para alguém, jogam um verde e exigem como resgate depósito em contas-laranja. Dá para fazer a transferência pelo computador da casa. Em minutos, extorquem a grana que será retirada em caixas 24 horas.

Detesto golpe, constantemente somos assediados por sem-vergonhas tentando nos passar para trás.

Pior é que agora a prática se expandiu para as grandes empresas. Minha conta de telefone veio 27 pilas mais cara. Liguei para a GVT. Uma eternidade entre labirintos de “tecle zero para recomeçar”.

- Filho – Falei com minha voz grave e pausada, pareço um excelentíssimo alguém com ela – preste atenção! – Explanei detalhadamente o que havia de errado. O atendente, intimidado, corrigiu a conta e pediu desculpas.

- Não.

- Não?

- Não desculpo! Vocês sabem que erraram e mantiveram o engano pois o prejudicado era o consumidor. Detesto golpe.

Desenvolvendo a idéia, vi há muito que grandes empresas, como as de cartões de crédito, que cobram pelo serviço o fazem apenas para ter um extra. O lucro bruto vem do pagamento das faturas.

- Empresa de cartões? – Ligo todo início de ano. – Quero cancelar!

Outra eternidade de labirintos numéricos e sempre sou enviado para uma “central de análise para encerramento de conta”. Centenas de opções depois, o atendente informa que retirará todas as tarifas do cartão para aquele ano se eu continuar com ele.

Cumpro rigorosamente este ritual com todas as empresas que cobram pelo serviço. Algumas vezes consigo apenas um bom desconto. É uma treta, um atalho para fugir das taxas. Um contra-golpe ao sistema capitalista. A única saída anárquica porém legal à exploração exagerada, outro nome para roubo institucionalizado.

Me peguei pensando nesta crônica na fila do caixa-eletrônico – ainda não dá para imprimir dinheiro em casa. Retirei uma miséria, pois medíocre estava meu saldo. Imaginei se algum dia eu conseguiria ganhar algum dinheiro como escritor. Sei de tantos que ganham honestamente seus trocados em revistas e jornais, e outros, horrorosos, que são até homenageados.

Quais são os caminhos para o sucesso? Escrever bem, ter boas idéias e... algo mais. Sorte? Talvez. O que tenho visto no meio literário é um grande suporte entre escritores, todos se cumprimentando e elogiando. Todos conclamam aos leitores que tais compadres são os melhores escritores depois deles próprios. Uma tremenda masturbação coletiva.

Ao leitor, sobra a própria crítica às obras, pois não se pode confiar na sinceridade desta trupe de escritores tão desprezada. É nesta hora que a casa cai! Ele percebe que aquele sujeito tão elogiado é somente o amigo do elogiante, não um bom autor. Vê-se engrupido no pior dos golpes: a opinião, que não precisa ser embasada, nem coerente e muito menos verdadeira. É só um incentivo.

Quem perde é a literatura, pois vê mais um leitor fugindo da leitura, afinal, ele não é obrigado a aceitar porcarias.

Em todas as áreas existe protecionismo. Nem dá para resistir, só lamentar não fazer parte. Obviamente se eu estivesse entre os que são elogiados e vendem livros e participam de congressos, recebendo belos cachês pelas besteiras que escrevem, não contestaria o sistema. Calar-me-ia, não sou trouxa. Mas não posso entrar para este grupo de literatura de comadre, sou muito crítico, escrevo muitos palavrões, não sei elogiar tosqueiras.

Se um dia eu amadurecer, me enquadrar, tiver talento o suficiente e for convidado para o chá dessas tias, ah, ai sim será uma bela treta. Até lá, continuemos na batalha – contra tudo e todos.

10 comentários:

Marília Passos disse...

faça o favor de não criar, então, talento nem açúcar nesse chá, sim?, pq aí eu nao leria hehehe nem gostaria, como desse eu gostei.

é verdade. elogios vãos tem muito por aí, só porque se é amigo =x eu digo logo, desçam as pedras quando nao gostarem, pq eu tb nao minto :) hehehe falo palavrao tb =x e acho que é isso mesmo:contestar quando se é contrário, e foda-se a opinião maior ou comum ou seja la o que for :)
(sempre lembrando que critica vem de critério, e tb é ridículo criticar só pra avacalhar :P estabelecer um senso crítico é o que anda nos faltando e tentamos restabelecer em espaços tipo estes, com cronicas fodas - e dubias hehehe)

Anônimo disse...

Cara! A cultura no Brasil é 'vele vantagem sempre em cima do seu próximo'. As empresas levam isso a risca. Quanto aos pseudoescritores, só resta lamentar mesmo!
Abraços.

Larissa Marques - LM@rq disse...

Caraca, excelente! Mão Branca aberta num tapa chapado na cara das panelinhas editoriais, amei.
Sem falar dos outros golpes, aqui em Brasília esse negócio de "Sequestrei seu filho" é real e conheço gente que caiu no golpe.
Beijo Gigio!

Anônimo disse...

é melhor editar o marcador para
"#Crônicas"

e outra
cara, tu tá se especializando nessa coisa de "sobre isso, sobre aquilo"
gostei!

Glauber Vieira disse...

Giovani, no decorrer do texto, achei que eram palavras do Klotz, então sinta-se elogiado.
Bom, é um texto diferente dos que estou acostumado a ler de vc, mas igualmente muito bom. Muito válida a reflexão. Parabéns pela estréia.
Por fim, concordo com o Barba: acho que esse texto se enquadra mais como crônica.

MPadilha disse...

Outro dia recebi um telefonema assim no trabalho, estavam com meu baby, que coisa, justo no dia em que eu levara ele comigo pois estava febril, eu chorei muito, primeiro de susto, depois de raiva, odeio golpes assim.
A literatura também tem o poder de deixar a gente puta. Outro dia uma editora pediu pra ler meus poemas, eu cai no conto e enviei, toda boba (bem que vc me avisou), depois veio o orçamento que eu teria que pagar pelo livro. Ora, eu não sei a fórmula, mas tem hora que quase desisto disso. Teu texto é o que penso, ou se enquadra ou fica fora da fatia. Muito bom.

flaviooffer disse...

Editoras realmente são foda. Bancam os livros dos "bam-bam-bans-autoajudasexual". Já os escritores de talento como o autor deste conto, precisam pagar o olho da cara para serem publicados.

p.s.: sem "puxa-saquismos" de comadres - estive no blog Mão Branca e gostei pacas do seu espaço!

Abraços

Giovani Iemini disse...

nussa, quantas boas palavras. achei que me dariam broncas por ser tão amargo. hehehe.
valeu.
amanha lanço um ebook no www.folhasouvento.blogspot.com
apareçam.

Klotz disse...

Temos mania de rotular. Este texto não é uma crônica é um artigo. É uma opinião. É um desabafo. É uma crítica.
Infelizmente o cidadão não tem a quem recorrer. As autoridades instaladas nos três poderes só agem em causa própria à custa dos nossos impostos.

THORPO disse...

Acho que a saída é o pretenso escritor não sonhar em ser um “best seller”, ou estará fadado a copiar fórmulas mercadológicas e temas da moda, nunca tornando-se um artista de verdade. Almejar ser famoso é algo grave hoje em dia, pois ficamos na mesma situação que um “bbb”, ou de uma modelo-atriz-apresentadora de programa infantil-cantora. A busca desde o início, deve ser por NOSSA literatura, não a do mercado, do público, etc Se depois de muito esforço nos tornarmos um “sucesso” de vendas, então ótimo.
Afinal, se a intenção é alcançar riqueza e sucesso, acho que devíamos escolher outro rumo que não a arte.
É isso. Gostei do texto.